Sinto muito informar aos ateus, mas quase todos os nossos costumes são de origem religiosa. Nossos ritos, muitos já incompreensíveis, pois têm suas formalizações vagando pelos escuros do tempo, nos toma o cotidiano, do nascer à tumba.
As bodas, ou casamentos, são a base de nossa civilização. Por um fato muito simples, porque é a partir do casamento que se forma a família, e a partir da família uma sociedade. Sei que isso parece ultrapassado, mas é assim que as coisas ainda funcionam em nosso mundo moderno. Se hoje fazemos contratos de casamento em cartórios e perante o Estado, no sentido de dar garantia aos contratantes das regras que devem balizar a união, no passado essas mesmas garantias eram dadas por um contrato com o sagrado, diante das divindades o que, num Estado laico como o nosso, já perdeu o sentido primário.
Sei que parece estranho, mas na Roma antiga, por exemplo, cada família tinha seu próprio deus, o deus Lar, que estava muito ligado ao culto dos antepassados de cada núcleo familiar. Além é claro dos deuses ´´gerais´´ e cultuados pela coletividade toda, como Júpiter, Marte, Minerva, etc.
O culto ao deus Lar era dirigido pelo pai de família e de forma doméstica, portanto, cada família tinha seu jeito e fórmulas particulares – orações, libações, sacrifícios e canções – de se relacionar com esse deus também particular. Quando nascia uma menina, ela se submetia ao culto do Lar de sua família que ficava num altar (daí vem a palavra lareira), com o fogo sagrado, em cômodo próprio afastado dos olhares de curiosos.
Ao crescer para se casar, a moça tinha que renunciar ao seu antigo deus Lar e adotar o deus Lar da família do marido numa cerimônia que, pelo menos no aspecto de costumes, é bem parecida com as cerimônias dos casamentos modernos e que perderam quase que totalmente seus significados religiosos.
Tanto na Grécia antiga quanto em Roma, os vestidos de casamento eram brancos, pois a pureza dessa cor combinava com o desejado pelo noivo, uma noiva casta e pura (sei que você está rindo!).
O casamento romano era muito semelhante ao grego e dividia-se em três atos: na lareira do pai, no transporte da noiva e, por último, na casa do marido (traditio, deductio in domum, confarreatio).
No traditio, a jovem deixa o lar paterno e é liberada pelo pai, numa cerimônia, do culto ao deus de sua casa. No deductio in domum, a moça é levada para a casa do marido. Ela obrigatoriamente estará vestida de branco, com um véu, uma coroa e uma tocha nupcial junto a um cortejo – como hoje, mas sem a igreja, em que a noiva, vestida da mesma maneira, desfila entre os convidados com as daminhas e acompanhada pelo pai, numa alegoria da mudança de casa – notem que os elementos secundários são os mesmos e que somente a tocha nupcial foi substituída pelo buquê de flores, mas mesmo assim o fogo sagrado está presente nas velas do altar. Nesse momento, a música nupcial também se faz presente, porém entoada pelos participantes. Na realidade um hino religioso que, de tão antigo, nem mesmo os contemporâneos de Horácio entendiam o que dizia em seu refrão, assim como as antigas marchas de casamento que ainda usamos nas igrejas, muitas vezes em latim, ou em outras línguas arcaicas. Ainda neste ponto do rito de casamento, o cortejo parava na frente da casa do marido, que tinha que simular um rapto, numa luta também simulada, carregando a noiva no colo sem no entanto deixar que os pés dela tocassem o umbral da casa (deve vir daí o costume das mulheres fazerem regime, imaginou se o sujeito fosse meio fracote e a moça bem nutrida, nada de casamento!).
Por fim, no confarreatio, cerimônia realizada diante da lareira do marido e do deus Lar, imagens dos antepassados, estátuas dos deuses penates, e fogo sagrado, que serão objetos de culto da noiva em sua nova família, os noivos fazem uma libação, sacrifício e comem juntos um doce de flor de farinha (panis farreus) – hoje, o bolo de casamento, indispensável, mesmo que ninguém o toque e o leve a sério quando se tem a perspectiva de outras bebidas e alimentos mais apetitosos – mas a regra diz, que a noiva deve partir o bolo e ceder o primeiro pedaço ao marido. Desse ponto em diante estão casados e a festa segue adiante como em nossos dias, regada a vinho e guloseimas diversas.
Vejam que falo de ritos que remontam há mais de três mil anos e que a troca de alianças só veio mais tarde supostamente com os romanos também, provavelmente mil anos depois do que aqui foi narrado de forma abreviada.
Disso tudo, podemos deduzir que, o casamento, tanto para os gregos quanto para os romanos, era uma das coisas mais sérias que poderia existir. Nada para eles se fazia mais temeroso do que desagradar aos deuses. Somente a decadência moral de Roma foi capaz de corromper esse antigo costume, mas mesmo assim, ele sobrevive em nossos dias, embora com significados diversos no que toca a ritualística das novas religiões introduzidas, como a Católica Apostólica Romana. Assim os casamentos duravam anos, porquanto a vida durava pouco. Mas para os descontentes havia o alívio do divórcio, já admitido naqueles tempos, não tão complicado formalmente como hoje, porque era um contrato a ser desfeito com os deuses e também num ritual. Mas daí é outro assunto, que envolve questões do Direito Romano, coisa para mais tarde e que não é o nosso objetivo hoje. (JFN)
2 comentários:
A traditio era a forma informal de se entregar a propriedade de um objeto para outra pessoa.
Por analogia a traditio matrimonial entrega a propriedade da noiva dos seus pais para o noivo (que só se consuma após um tempo de convivência onde vai ocorrer o usocapio da propriedade da noiva, assim como ocorreria com um terreno).
A tradição de vestimentas é algo que você alucinou. Não existia nos ritos romanos. As mulheres casavam com roupas coloridas. A tradição do vestido branco surgiu no século XVI com a rainha da Escócia, Mary Stuart.
No livro a Cidade Antiga, de Fustel de Coulanges (capítulo II), consta que a noiva vestia branco no casamento.
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